Estudos sobre a PETase chamaram a atenção de meios de comunicação, como BBC, CNN e TV Globo
Imagine o impacto da descoberta de uma enzima capaz de eliminar do ambiente todo o lixo gerado pelo acúmulo de plástico que consumimos. Agora pense na repercussão causada, caso cientistas aumentassem a eficiência dessa enzima em degradar o PET (polietileno tereftalato) presente em sacos plásticos, garrafas, embalagens, brinquedos e até no aparelho em que você está lendo este texto.
Um estudo como esse, que se detém sobre como fazer com que um item quase onipresente na vida das pessoas deixe de ser um problema – e volte a ser apenas uma boa solução –, tinha tudo para ser popular, não só entre cientistas, mas na sociedade como um todo. Só que os pesquisadores do Center for Computing in Engineering & Sciences (CCES), da Unicamp, que trabalharam em colaboração com colegas da Universidade de Portsmouth, do Reino Unido, e do Laboratório Nacional de Energia Renovável (EUA), não esperavam tanta notoriedade.
O time de pesquisadores estava focado em analisar e modificar a estrutura da enzima PETase (que decompõe o PET), a fim de entender seu funcionamento e explorar as potencialidades da proteína. A primeira surpresa foi notar que a PETase mutante demonstrou ser mais eficiente do que a original, e a segunda se deu quando as descobertas, publicadas originalmente na revista PNAS, alcançaram repercussão midiática imediata, sendo noticiadas por gigantes da comunicação, como a BBC, a CNN e a TV Globo.
Para explicar esse fenômeno de audiência da divulgação científica, entrevistamos o físico-químico Munir Skaf, Pró-Reitor de Pesquisa da Unicamp, diretor do CCES e coautor do estudo sobre a PETase, em parceria com o Dr. Rodrigo Leandro Silveira, também da Unicamp e responsável pelos estudos computacionais deste projeto. Acompanhe a conversa a seguir:
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Vocês, envolvidos com o estudo sobre a PETase, esperavam que o assunto fosse ser tão popular fora do meio acadêmico?
Munir Skaf: Sinceramente, confesso que esperávamos pouco. Isso só aconteceu porque nossos colegas da Universidade de Portsmouth, no Reino Unido, têm uma rotina de divulgação científica sistemática, visando os grandes meios de comunicação. Toda pesquisa relevante é trabalhada como uma notícia ao grande público.
Funciona assim: quando a universidade – a de Portsmouth, no caso –, sabe que o estudo vai ser publicado, seu departamento de comunicação prepara um texto para chamar a atenção da imprensa, produz fotos e vídeos nos laboratórios, com os pesquisadores, e deixa todo o material pronto para ser compartilhado com os jornalistas imediatamente após o término do embargo de sigilo determinado pela revista. O embargo termina na data de publicação do paper. Assim, no dia em que o paper sai, a notícia vai ao ar junto. Isso aumenta o impacto da divulgação.
E foi possível mapear como a notícia se espalhou?
MN: No caso da pesquisa com a PETase, o barulho começou no Reino Unido, por causa da divulgação a que já me referi, feita pelos colegas de Portsmouth. Quando a PETase virou assunto na BBC e no The Guardian, ganhou o mundo.
A TV Globo, inclusive, tomou conhecimento do assunto e do envolvimento do CCES na pesquisa, por meio de sua equipe de jornalismo em Londres. Então, fizeram contato conosco e veicularam a reportagem no Jornal Nacional. Depois disso, não paramos de receber convites de outras emissoras e publicações para divulgar nosso estudo.
Fica, então, um aprendizado: de que podemos trabalhar melhor, e sistematicamente, a divulgação científica em nosso território, para que a imprensa brasileira noticie pesquisas envolvendo profissionais e instituições nacionais por iniciativa nossa e não por ter ouvido primeiro em um meio de comunicação internacional. A divulgação da ciência para o grande público é uma tarefa importante que não se deve ignorar.
Focando no estudo sobre a PETase, agora: quais são os desafios e possibilidades que ele oferece para o futuro?
MN: São três principais desafios pela frente no que se refere à engenharia dessa proteína. O primeiro é torná-la mais termoestável ou mais eficiente. Se ela for capaz de funcionar em temperaturas mais elevadas, sua eficácia na degradação dos polímeros vai aumentar.
O segundo é encontrar maneiras de viabilizar a produção em larga escala da PETase, barateando o processo e viabilizando o último desafio: desenvolver a tecnologia a ser empregada nas usinas de degradação do plástico, para que a PETase saia do laboratório, entre em cena e melhore a vida das pessoas que tanto se interessaram pelo seu potencial.